domingo, 21 de outubro de 2007

Um tempo para as nossas fantasias

No último domingo, como todos os gaúchos, adiantei uma hora o meu relógio. Mas não precisaria ser uma hora: 48 minutos bastariam. Isso porque o meu relógio está, e já há bastante tempo, adiantado 12 minutos. É um bom relógio, um Cássio barato, que cumpre diligentemente suas funções: tão bem, quero crer, quanto o Rolex de Luciano Huck, arrebatado ao apresentador num assalto, e com a óbvia vantagem de que assaltante nenhum se incomodaria por causa de um objeto tão modesto.
Mas, perguntarão a vocês, por que o relógio está adiantado? Bem, porque tempos atrás, e justamente numa dessas trocas de horário, eu sem querer o adiantei e nunca corrigi o equívoco: o relógio continua adiantado. E, pelo que tenho observado, não sou único. Há pesoas que gostam de adiantar o relógio. Pergunta: por quê? Qual a motivação para essa insólita atitude?
Na verdade, não sei bem. Mas tenho uma explicação, resultante da vida de correria que todos levamos. Quando olhamos para um relógio que está adiantado ( e estamos sempre olhando o relógio), a nossa primeira reação é de susto: Deus, já são nove horas! Depois vem um pequeno alívio: não, não são nove horas, ainda faltam 12 minutos, é o meu relógio que está adiantado.
Ou seja: relógio adiantado serve para isso, para dar-nos a sensação, a ilusão de que ainda temos tempo. Pouco tempo, mas algum tempo de qualquer modo. Diante da vida, somos como criança a quem a mãe acorda para ir ao colégio e que, sonolenta, implora:
"Só mais cinco minutinhos, mãe." é o que sempre estamos pedindo a este implacável algoz que é o tempo: mais cinco minutinhos, mais doze minutinhos, mais uns diazinhos, mais uma semaninha, mais um aninho. Somos postergadores crônicos, dispostos a adiar o mais possível os prazos que precisamos cumprir. Amanhã eu decido que vestibular vou fazer. Amanhã decido se vou casar contigo. Amanhã decido o que fazer da vida, agora que estou desempregado.
Claro, no horário de verão, não é bem isso que acontece. No horário de verão não estamos dando tempo ao tempo, estamos emprestando tempo ao tempo. O horário de verão faz com que, naquela noite, durmamos uma hora a menos (deve ser uma das razões pelas quais a mudança é agendada para o final de semana). E é um emprestimo que cobraremos: quando terminar o verão, recuperaremos essa hora, esse empréstimo. Infelizmente sem juros: o tempo não aceita, como os bancos, depósito a prazo fixo, ainda que tempo, como dizem os americanos, seja dinheiro. Empréstimo similar fizemos quando viajamos para o Exterior, em função de fuso horário. Indo para a Europa, por exemplo, perderemos algumas horas de sono, as quais recuperamos quando voltamos. Muita gente já teve a idéia de fazer essa viagem, que nos dá horas adicionais, de forma constante, pelo resto da vida. Passaríamos a morar num avião, com todos os problemas que isso acarreta, mas o tempo nunca passaria, ao contrário, cada vez nos sobrariam mais horas, e mais dias e mais anos. A imortalidade de que fala o lema da ABL deve ser uma coisa parecida.
As pessoas que adiantam o relógio são felizes. Foi a invenção deste providencial objeto que permitiu a ilusão. No tempo da ampulheta, do relógio de areia (ou de água), não havia como fazer qualquer adiantamento. E isso mostra que a vida tem suas compensações. O relógio pode ser até uma coisa estressante, um instrumento de tortura. Mas, com um pouco de imaginação, ele nos ajuda a fabricar fantasias. E fantasia é uma coisa importante. A cada dia deveríamos separar um intervalo de tempo para as nossas fantasias. Sugiro doze minutinhos...
( Moacyr Scliar) Zero hora de domingo...

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